Duelos de banco

Jorge Jesus venceu Vítor Pereira no jogo táctico e conseguiu empatar no Estádio do Dragão. O Benfica esteve a perder por duas vezes, igualando partida, com golos de Cardozo e Gaitán. Pelo FC Porto marcaram Kléber e Otamendi.

Com o estádio praticamente lotado, o FC Porto entrou melhor em jogo. No primeiro minuto, um remate de Hulk de fora da área trouxe o perigo à defesa encarnada. O brasileiro volta a estar em destaque aos 10 minutos, deixou para trás Javi García e Witsel e voltou a assustar o guarda-redes Artur, numa jogada individual e “incrível”.

O Benfica mostrava-se então lento a reagir mas sempre sem perigo para a defesa do Porto. Perto da meia hora o FC Porto quase marcava por intermédio de Fucile, o que conseguiu aos 37 minutos por Kléber, dando assim justiça ao resultado.

A segunda parte iniciou com o empate. Cardozo aproveita a desatenção da defesa do FC Porto e empata a partida, ficando o jogo mais animado. Ainda o Benfica saboreava o empate e já Otamendi marcava o 2-1. Na sequência de um canto curto, Varela centrou para o central argentino, que só teve de encostar.

A partir do 2-1 o jogo tornou-se confuso. O FC Porto tentava controlar a posse da bola, mas a verdade é que não o conseguia fazer com facilidade de outros tempos, Hulk já não corria, o meio campo não segurava a bola e Vítor Pereira não mexia na equipa.

Jorge Jesus, na tentativa de refrescar o ataque e de pôr uma peça mais próxima de Cardozo, colocou em campo Bruno César e Saviola, para o lugar de Nolito e Aimar. No outro banco, Vítor Pereira trocou Guarín e Kléber por Belluschi e Cristián Rodriguez. Saiu vencedor da batalha táctica, o treinador do Benfica. Saviola entrou muito bem e Guarín saiu extremamente mal, Jesus melhor nas suas apostas.

Com estas substituições, o Benfica fica mais forte, dos jogadores do banco sai o passe para o golo do empate e o FC porto sem soluções práticas e tácticas para responder. O resultado acaba por ser justo, pois a equipa não é só formada de jogadores, a estrutura técnica é muito importante, ainda para mais num jogo deste calibre.

(Texto: Joana Gomes)

Futebol Portugal

Há muito faço parte do site Futebol Portugal. Actualmente, depois de profundas mudanças, o projecto está diferente e quer vingar na blogosfera.

Tendo como base o lado positivo do jogo, abordando categorias diversas (análise táctica, scouting, história, estádios, estatística, arbitragem, direito desportivo, finanças, notícias, etc.), contando com uma equipa que reúne os melhores bloggers de futebol e elementos com profunda ligação profissional a este desporto, o Futebol Portugal procura mudar o paradigma do relato do fenómeno desportivo em Portugal, apresentando duas características pouco vistas até hoje: qualidade e independência de pressões corporativas.

O web-site estará ainda a passar por algumas modificações gráficas, mas temos já um conteúdo assinalável para que o leitor possa dedicar a sua atenção.

É sobretudo lá que me encontrarão. Vale?

Geração Coragem

O português gosta de recordar. Abre a caixinha das medalhas, limpa-lhe o pó com altivez, derrete-se por dentro e deixe que a mente o leve para outros tempos. O orgulho por tudo aquilo é descomunal, a emoção enche-lhe o espírito e a saudade deixa-o tristonho e meio perdido. A saudade é um sentimento estranho: carrega pensamentos diferentes, vontades opostas, tanto pode fazer chorar por nunca mais repetir o que se recorda como inspirar a deixar tudo e lutar por voltar a ter as mesmas sensações.

Só que, lá está, o português tem orgulho no que já tem junto de si. Ganhou, foi o maior e esqueceu-se que os campeões continuam a existir com os anos – mais trabalho para quê? Chegou onde queria e, pronto, missão cumprida. Depois vive da recordação, da saudade e dos pensamentos. Recordar é viver, diz-se por aí. Será mesmo? O orgulho fica para sempre, os feitos também, mas a vontade de ir ainda mais longe, de quebrar todos os limites, pára à primeira conquista. São os serviços mínimos.

Portugal construiu um caminho na formação de jogadores, abriu mundos, catapultou talentos, soube trabalhá-los e ganhou com isso. Em 1989 e 1991, em Riade e em Lisboa, conquistou dois títulos de juniores. Saltou, sorriu e deu graças. Estava no trilho certo, de sucesso. E depois, porque já tinha algo para recordar mais tarde, sossegou. Achou que estava tudo feito, contentou-se com os dois títulos e entrou noutra rota. A formação ficou para trás e caiu das preocupações. Por que não tentar rechear a caixinha?

Actualmente, em 2011, vinte anos depois do último título, Portugal é um dos países que mais jogadores importa, tem um campeonato multinacional, menos de metade são portugueses e a selecção ressente-se. Mas é nestas coisas que o futebol gosta de ser diferente, de pregar partidas e dispensar a lógica. E Portugal, sem ninguém ousar sequer falar nisso, sem estrelas de cartaz mas com jogadores competentes e briosos, chegou à final do Mundial sub-20. Com consistência, com entrega, com solidariedade, com talento e com felicidade. Ílidio Vale montou uma verdadeira equipa, onde Mika, Nuno Reis, Danilo e Nélson Oliveira sobressaíram. Geração Coragem, disse o treinador. E ninguém, por certo, se atreve a discordar.

Portugal chegou à final, outra vez com o Brasil, como há vinte anos, voltou a ter de ir a prolongamento, evitou a agonia das grandes penalidades, mas terminou vergado e vencido pelos brasileiros. Não ganhou o terceiro título: e, então, fica alguma coisa para aproveitar?

Fica, pelo menos, a coragem, a garra e esperança demonstradas para deixar de estar… à rasca. Fica a certeza de que, embora tapado ou encoberto, há potencial para explorar. E que a saudade, essa coisa estranha, realmente pode ser inspiradora rumo ao futuro: dentes cerrados, peito feito e vontade de lutar. Sem ter de ser preciso passar a vida a olhar para a caixinha das recordações…

Supertaça Europeia: Crónica

BARCELONA – FC PORTO, 2-0 (CRÓNICA)

Quem mede um metro e oitenta, quer medir um metro e oitenta e um. Quem sabe contar até cem, quer saber contar até cento e um. Olha para os outros, vê e quer ser ou fazer igual. Porque assim dá-se melhor consigo, está mais próximo do que idealiza e sente que tem como chegar mais além. Esforça-se e arrisca. É como um jogador de futebol: se faz uma finta, quer fazer duas, três, olé, quantas mais melhor, sair pela pronta grande. Deslumbra-se, tudo é belo, nada o pode parar. Será mesmo?

Freddy Guarín é um jogador importante no FC Porto, cresceu como poucos, transfigurou-se de uma época para a outra. É capaz, é forte e sabe o que faz. Mas é mortal. Tem, como muitos, a tentação do pecado de querer fazer sempre mais, sempre melhor e sempre mais bonito. Dar-lhe ali um toque, uma coisa mínima, só mesmo para ficar nos trinques. Contra o Barcelona, olhou para o adversário, gostou e quis experimentar. Quis sair a jogar, fintou, mais do que uma vez, esforçou-se, não lhe correu bem e ofereceu a bola a Messi. O argentino estava ali como quem não quer a cosia, sorriu, muchas gracias, contornou Helton e marcou. Simples.

O golo de Messi na baliza de Helton teve o mesmo efeito que um gume frio e letal de uma espada que entra num corpo de um guerreiro. O FC Porto fora bravo, destemido, recusara-se a prestar vassalagem: olhos nos olhos, venha de lá esse Barcelona, armas prontas e luta. Deixou boas indicações, assustou Victor Valdés e mostrou que queria ser feliz. Tentar sê-lo, pelo menos. Teve boa atitude, organização e soube os terrenos que pisou. Até que chegou, aos trinta e nove minutos, o momento fatal. Porque, como disse Mark Twain, algumas pessoas nunca cometem os mesmos erros duas vezes: descobrem sempre novos erros para cometer.

O Barcelona pôs a mão no jogo, no resultado e no relógio. Passes à velocidade da luz, tentativa de ataque, ímpetos azuis refreados e presença senhorial. Jogo fluído e simples – mas nunca mágico e envolvente como hábito. Em desvantagem, o FC Porto teve que correr atrás, que afrontar o Barça, que insistir e que tentar impedir que, com os minutos, o carrossel espanhol tudo devorasse. Intrometeu-se, fez o que pôde e não se rendeu. Nem podia. Só que Cristian Rodríguez não teve a explosão que se pretendia, Hulk foi bem tapado, o meio-campo blaugrana assentou no portista e Kléber nunca teve jogo. Então, como fazer?

O dragão soube das dificuldades, não as negou, mas tentou viver com elas, ultrapassar as fragilidades e colocar-se ao lado do todo-poderoso. O adepto suspira, bate com o pé, rói as unhas, se não fosse aquela asneira do Guarín…, mas, não, nada há a fazer e nestas coisas, principalmente com este Barcelona, parece que há sempre qualquer coisa, vinda sabe-se lá de onde, que simplifica e deixa a equipa espanhola no caminho do sucesso. O FC Porto teve sempre cabeça erguida. E pode queixar-se de uma grande penalidade que o árbitro, Bjorn Kuipers, deixou passar em claro, por falta de Abidal sobre Guarín, embora, antes, tenha travado um ataque prometedor a David Villa.

As pernas portistas sentiram o esforço, a mente pediu descanso, os olhos reviraram-se com o jogo do Barcelona. Vítor Pereira tentou agitar, lançar novos trunfos, baralhou e… baralhou-se. As substituições de Kléber e Souza, por Belluschi e Fernando, nada acrescentaram e foram pouco percebíveis. O FC Porto sentiu o cansaço, deixou que as emoções lhe tomassem o pensamento e perdeu capacidade. Terminou com nove, por expulsões de Rolando e Guarín, viu Fabregas marcar o segundo golo do Barça e finalmente, depois dessa desfeita, assinou o acordo de paz. Knock-out, vitória do Barcelona. Mais uma. Sem surpresa.

Um dragão no reino do super-Barça

O topo do mundo futebolístico tem um nome: Barcelona. Tudo o resto, seja por que razão for, está num patamar inferior. Uns perdem pela qualidade individual, outros perdem por não ter um colectivo com tamanha força e ainda aqueles que, tendo potencial e jogando bem, não conseguem aliar a arte aos resultados. O Barcelona é tudo isso: portentos, carrossel, dinâmica, intensidade, magia e uma eficácia impressionante. Um futebol de requinte.

Quem começar um jogo com o Barcelona, sabe, à partida, que será subjugado na posse de bola, andará largos períodos a seguir a bola com o olhar e terá de conseguir nervos de aço para não se irritar com aquele futebol envolvente. Passa, repassa, um toque, uma habilidade, mais uma vez, processo no início, tempo a passar, músculos a pedir descanso, mente a ficar saturada. Ao jogar com o Barcelona, é preciso saber lidar com tudo isso. Não é uma equipa imbatível, tem jogos pouco inspirados e também perde. Só que acontece poucas vezes. E, mesmo nessas, há que contar com o tal tiki-taka.

O FC Porto enche o peito, puxa pelos galões de vencedor da Liga dos Campeões e vai à luta. É uma boa equipa, mesmo depois de ter perdido o goleador, está orfã de Radamel Falcao, mas tem os seus argumentos, possui boas armas e pode, pelo menos, ousar ser feliz. Alguém há-de acreditar, há-de ter esperança. Pensamento derrotista é que não. O Barcelona é de outro mundo, tem uma galáxia à parte, trucida colossos como Real Madrid ou Arsenal e consegue dominar os ímpetos do Manchester United. Mas, lá está, não é imbatível. E é precisamente a isso que o dragão se agarra.

Pep Guardiola não terá a dupla de centrais, nem Puyol nem Piqué, para o jogo de hoje. Isso pode ser um bom indício? Bem… Realistas? Não. É verdade que a defesa com Mascherano e com Abidal no centro não é a mesma coisa, mas mesmo assim a qualidade mantém-se e a dinâmica colectiva nunca se altera. O FC Porto tem, antes de mais, de saber estar. Entrar em campo, fazer o seu jogo, desfrutar de uma oportunidade única de defrontar uma equipa sem paralelo na actualidade e procurar a sua sorte. Porque, se quiser não o conseguir, ninguém lhe apontará o dedo, afinal já outros, com muito mais responsabilidades, tombaram perante o Barça.O pior será não tentar fazê-lo.

O FC Porto tem Hulk, tem Kléber, tem Varela, tem Moutinho e tem Guarín. E é com esses que tem de querer sonhar.

Panenka. Antonín Panenka.

Bola debaixo do braço, olhar descontraído, confiança total. Os outros que estão na bancada roem as unhas, desesperam, puxam pelos cabelos, pelos cigarros, vai tudo à frente. O coração bate, as veias pulsam, o sangue aquece, aquele ritmo está louco, o suor já escorre. Acaba lá com isso, que ansiedade. Está tudo à beira do colapso. Aguenta, coração. Não falhes, vá lá, marca.

Mas não há pressa. Devagar dá para sentir o momento e para entrar no espírito. A sensação é louca, pura diversão. Passo lento, calma, ar de quem já fez aquilo vezes de mais. Olha para o guarda-redes, lança-lhe um sorriso de desprezo, imagina-se como um agente secreto a enfrentar o maior perigo que por aí anda. Ele é Panenka. Antonín Panenka.

Um país inteiro está a pressionar as costas daquele homem. É uma final, não há volta a dar. Antonín pousa a bola, recua e espera que o mandem avançar. Aquele instante dá um calafrio na barriga, junta o pânico com a adrenalina, é uma mistura explosiva carregada de perigo iminente. Inquietude sem fim. Sepp Maier enche a baliza e tem-no marcado.

Soa o apito. É agora. Os checos arregalam os olhos, suspiram e anseiam por um golo. Basta-lhes um remate forte, colocado, longe do guarda-redes e já está. Depois é só festa, só glória, só champanhe. Não é preciso inventar. Mas é nestes momentos que aparecem os loucos. A loucura apetece quando o risco é maior.

Panenka corre, sente um raio de luz sobre si, lembra-se de todos aqueles que escreveram que a loucura é indispensável e faz o que ninguém tinha feito. Pega a bola por baixo, levando-a a subir e cair no meio da baliza. Herr Sepp tomba, olha para o lado, está perto mas é impotente. Não consegue fazer nada. Os checos correm. Ganharam e isso é o que interessa. Mas para Antonín Panenka, jogador mediano, tudo mudou: inventou uma nova forma de marcar penalties, foi mais louco do que todos os outros, desafiou as regras e eternizou-se.

A Checoslováquia ganhou o Europeu de 1976. Antonín Panenka ganhou a História. Quem ganhou mais? Muitos devem dizer que foi o futebol. Porque loucos destes não aparecem todos os dias.

Exclusivo Paulo Futre – Parte dois

Paulinho, Paulo Futre e El Portugués: vontade, talento e glória.

Estas botas, estas maravilhosas botas, são as botas com que fui campeão europeu e é a olhar para elas que quero dizer que acabou a minha carreira desportiva. A notícia da despedida de Paulo Futre chegou com surpresa. E abalou o futebol internacional. Foi em 1996. Só que o futebol vive de momentos, paixões e impulsos. Porque o seu Atleti chamou. Fê-lo despir o fato e voltar aos calções. Haverá maior prova de amor? Futre tinha chegado em 1988, como campeão europeu, maior desejo de Gil y Gil, bandeira eleitoral, ganhou espaço, tocou o céu e por lá ficou. Em Madrid, logo se tornou rei. Ou mais do que isso.

Paulo Jorge dos Santos Futre teve uma vida louca. E apressada. Nunca esperou pelo dia seguinte, agiu sempre quando pôde. Do Montijo até chegar ao topo, com o FC Porto, foi um piscar de olhos. Ser um fenómeno em Madrid, como é fácil de perceber, não demorou muito mais. Cerrou os dentes e entregou-se à luta. Quem é, afinal, Paulo Futre? Homem impulsivo, com espírito revolucionário, jogador genial e dirigente audaz? A pergunta é feita ao próprio. Solta uma gargalhada. “Fico muito satisfeito se alguém pensar isso de mim!”, diz. E sente-se feliz. Agora, abriu-se ao Mundo.

“O POVO TEM GRANDE CONSIDERAÇÃO POR MIM

P: Disseste que quando os toureiros se retiram cortam a trança. Qual foi a maior faena?

PF: É verdade! E até cortei o cabelo quando me retirei definitivamente, para “cortar com o passado” e começar uma nova fase, sabes? Quanto à maior faena… há dois jogos que marcam a minha vida: a final contra o Bayern e a final da Copa do Rei com o Real. Partimos aquilo tudo. Inolvidável! [sorriso]

P: Saíste de Viena, em 1987, pela porta grande e em ombros. Foi aí que ganhaste estatuto internacional?

PF: Sem dúvida. A Europa passou a saber que eu existia e podia ser um caso sério no futebol.

P: Estas botas, estas maravilhosas botas, são as botas com que fui campeão europeu e é a olhar para elas que quero dizer que acabou a minha carreira desportiva. Mas, afinal, ainda continuou. Fizeste bem em regressar? Ou ficou arrependimento?

PF: Sabes que me arrependo pouco daquilo que fiz… Ou quase nada, até. Na altura voltei porque tinha de voltar, não havia nada a fazer. Naquela situação era impossível não voltar a jogar: com tanto apoio, tanto carinho e tanta pressão positiva dos adeptos, eu tinha mesmo de voltar. Além disso senti que o clube precisava de mim. E o Jesus [Gil y Gil] também. E apesar das dores e do sacrifício que fiz, foi uma sensação fantástica. Parece que renasci.

P: Saí por dinheiro e acho que tenho uma dívida. Não ter voltado ao Sporting, em 1993, marcou-te? Muitos sportinguistas não esquecem a ida para o Benfica…

PF: É, mas a grande maioria já sabe o que se passou. O presidente do Sporting na altura tinha tudo apalavrado comigo e à última hora fugiu. Depois apareceu o Jorge de Brito com um timing perfeito e convenceu-me a ir para o Benfica. Acho que os sportinguistas sabem o que se passou e não guardam tanto rancor assim.

P: Foste o melhor jogador português da tua geração?

PF: [risos] Isso é uma boa pergunta para os adeptos. Fui sem dúvida o primeiro a ter projecção internacional ao jogar no estrangeiro, mas havia grandes jogadores na nossa selecção, por isso…

P: Portugal ainda não reconheceu todo o teu talento?

PF: Às vezes perguntam-me se não tenho mágoa por isso. Mas sinceramente, os últimos meses têm provado o contrário. O reconhecimento das pessoas, os pedidos de autógrafos, os convites para convívios e mesmo para conferências sobre futebol, liderança e gestão de crise em empresas são o maior reconhecimento que podia ter. O povo tem uma grande consideração por mim, apesar de estar há vinte e quatro anos a viver em Espanha, o que é um orgulho enorme.

Exclusivo Paulo Futre – Parte um

Paulinho, Paulo Futre e El Portugués: vontade, talento e glória.

O homem é uma vontade, uma força e um conhecimento que tendem para o infinito. Paulo Futre leva a frase a sério. Anota, concentra-se, interioriza e faz por segui-la. Quebra barreiras, abre mundos e vai à aventura. É levado por impulsos, por paixões e por vontades. Sempre gostou de viver no arame, no fio, entre extremos. Sente a adrenalina invadir-lhe a alma e transbordar por todos os poros, segue solto, livre, sem amarras. É sustentado pelo ímpeto, pelo sonho e pela ambição. Com talento. Porque ninguém consegue um lugar na História sem ter arte. Joga, galga terreno, arrasta adversários, carrega companheiros e rompe rumo ao infinito.

O cabelo à Futre desapareceu há mais de dez anos, as maravilhosas botas não saltam da prateleira e o corpo já não reage como antes aos estímulos da mente. Mas, sempre e para sempre, Futre anda numa roda-viva. Dá-se a conhecer, desvenda segredos e diverte quem o ouve. As histórias repetem-se, Futre conta e reconta, mas há sempre interesse para as ouvir. Sem cerimónias, voltou e pronto: é outra vez um fenómeno. Faz digressões pelo país e, como antes, ouve os flashes disparar. E dá mil e uma entrevistas. Em que exige ser tratado por tu…

“SOU IMPULSIVO E DEFENDO AQUILO EM QUE ACREDITO

P: Paulinho, Paulo Futre ou El Portugués?

PAULO FUTRE: Como preferires, desde que me trates por tu. [sorriso]

P: Montijo, Lisboa, Porto e Madrid em pouco tempo. Começaste ilegal, livraste-te da tropa e pisaste o risco. Foi uma vida alucinante?

PF: Alucinante não sei se é a palavra que melhor descreve a minha vida, percebes?… [pausa] Preenchida sim, ou com muitas situações assim… pouco normais, também. Se calhar com partes ou episódios incríveis, sim. Mas com períodos calmos. Não penses que tenho vivido em constante “alucinação”!

P: Polémico, rebelde e agitador por natureza, por gozo ou por necessidade?

PF: Quem me conhece sabe que sou sempre sincero, o que às vezes pode tornar-se uma bala contra mim. Sou impulsivo e defendo sempre aquilo em que acredito e algumas pessoas acham que chego a ser polémico mas sinto-me perfeitamente à vontade com isso. Tenho necessidade de ser sincero, isso sim.

P: Nunca quiseste ser politicamente correcto nem alinhado. Nunca tiveste empresário. Alguma vez houve o sentimento de que podia não dar certo?

PF: Houve uma altura muito difícil para mim e para a minha família que foi quando fui para o Porto. Tive uma série de meses sem ir a casa dos meus pais e todas as semanas aparecia uma janela partida, atiravam pedras à porta, era uma aflição. Sobretudo porque os meus pais não tinham culpa nenhuma do que se passou. E lembro-me que a situação era tão grave que quando voltei a casa no Natal até trouxe um guarda-costas. Foi tão duro para mim e para a minha família que sinceramente pensei que aquilo não era vida para mim. Mas depois tive a ajuda dos amigos e dos meus pais e ainda bem que encontrei forças para continuar…

P: Estiveste escondido e, num momento, ressurgiste e tornaste-te outra vez um fenómeno de popularidade. Sentias saudades dessa agitação?

PF: Isso depende um bocado do que consideras “agitação”. Porque desde que deixei de jogar futebol ainda não parei. Tenho trabalhado ligado ao futebol e a outras áreas e sempre com muita actividade. Agora, com muito menor exposição na imprensa do que, por exemplo, nos últimos meses. Mas a “agitação” tem cá estado sempre. [sorrisos]

P: Sem contar com a ligação pessoal a Dias Ferreira, o grande homem, valeu a pena ter entrado nas eleições do Sporting? O que ganhaste com isso?

PF: Claro que sim. Foi fundamental para mim poder apoiar o doutor [Dias Ferreira] e tentar ajudar o Sporting com os meus conhecimentos do mundo do futebol. Esperava, sinceramente, ganhar, apesar da diferença de orçamento da nossa candidatura para as outras. No final acho que o Sporting lucrou com a troca de ideias que um processo tão aceso trouxe. Em termos pessoais, o simples facto de ter considerado mudar a minha vida pelo projecto e regressar a Portugal também foi muito importante. Sinto uma ligação muito forte com nosso país e com as pessoas que me fazem sentir querido aqui.

P: Deixaste o país a rir depois daquela célebre conferência de imprensa. Muitos disseram que davas um bom humorista. Mas não era essa a intenção, pois não?

PF: Eu queria ser “badalado” e já todos perceberam a história da conferência e do chinês, que foi um grande sucesso. Tenho de agradecer aos sócios da net por isso, que ainda hoje me enviam muitos e-mails e mensagens no Facebook, a que aderi depois das eleições para estar mais próximo deles e devolver o carinho e o apoio que me têm dado. E o mais giro foi que alguns jornalistas e editores tiveram de retractar-se publicamente depois de perceberem que o mercado asiático é mesmo o futuro e devia ser o presente das grandes equipas portuguesas. Viste onde jogou o Real, o Manchester, o Chelsea nesta pré-época? Depois houve um outro grupo de pessoas que achou piada à forma como falo, que é assim uma mistura de português com espanhol porque vivi mais de metade da minha vida lá fora. Até os meus filhos e eu próprio nos rimos com isso.

Exclusivo Paulo Futre

Paulo Futre renasceu. Voltou aos destaques, às capas de jornal, às muitas solicitações e aos muitos pedidos de autógrafo. Como antes, quando jogava, quando estava a reinar no Porto ou a arrasar em Madrid, subiu a escada da ribalta, fê-lo num passo apenas e atingiu níveis de popularidade que, agora, são bem capazes de fazer inveja ao outro Futre, ao que jogava, ao que marcou uma era. Tudo porque apareceu em força nas eleições do Sporting, foi aposta de Dias Ferreira e, no final da campanha, saiu da sombra, rompeu e surpreendeu: anunciou o melhor chinês da actualidade, falou em comissões e charters, saiu como uma bala para as luzes da fama. Nada que não conhecesse.

O impacto da eleições do Sporting, para Paulo Futre, foi gigantesco, assumiu proporções incríveis e fez agitar ainda mais a sua vida. Que, por natureza, já é pouco descansada. É o próprio quem o diz: “Desde que deixei de jogar futebol ainda não parei. Tenho trabalhado ligado ao futebol e a outras áreas e sempre com muita actividade”. Agora tudo é maior, mais intenso: tem uma equipa consigo, lançou um livro, El Portugués, corre o país para o promover, faz múltiplas digressões tenta responder a todos os pedidos. Com um sorriso.

Futre já desvendeu ene mistérios, já contou inúmeras histórias e já falou  diversas horas de si, do seu passado e daquilo que ainda tem pela frente. Mas continua solicitado. Porque tem sempre algo de novo. Paulo Futre é um livro aberto, uma História que não se apaga. O site FutebolPortugal e o blogue Em Futebolês tiveram direito a uma entrevista. Futre aceitou, sem hesitações, apenas com uma condição: ser tratado por tu. Nos próximos dias, dividida em duas partes, pode ler, aqui, o conjunto de questões respondidas por um dos principais jogadores portugueses de todos os tempos.

Reportagem: Liga multinacional?

REPORTAGEM: Uma Liga portuguesa? Ou multinacional?

O FC Porto ganha em Dublin. Jorra o champanhe, festeja a Liga Europa e saboreia o gosto da conquista. Os jogadores portistas saltam, correm, sorriem, tiram fotografias. Mil e um abraços, obrigados ao público, uma alegria imensa em cada um deles. Juntam cachecóis, envolvem-se em bandeiras e enviam mensagens para casa. Para a América, para África, para outro extremo da Europa. Bandeiras do Uruguai, da Colômbia, de Cabo Verde e, até, da Madeira. De Portugal, zero. E, no entanto, o vencedor foi um clube português. Melhor: os dois finalistas saíram de Portugal. E nenhum lá colocou uma bandeira, uma marca, um símbolo.

A imagem de Dublin, na final da Liga Europa, é perfeita para mostrar como está actualmente o futebol português. Outro exemplo foi dado há pouco tempo, já nesta temporada, no jogo do Benfica com os turcos do Trabzonspor, na terceira pré-eliminatória da Liga dos Campeões: um onze, uma equipa, várias nacionalidades e nenhum, nem um único, representante português. Jorge Jesus encolheu os ombros, viu o caso com naturalidade, algo que é como é e não vale a pena questionar. Porque, disse o treinador, é um efeito da globalização. Não há barreiras e todos circulam. Os portugueses jogam no estrangeiro e os estrangeiros jogam em Portugal.

Uma equipa portuguesa que joga sem portugueses deve ser criticada? O tema é vasto, pode ser encarado de diversas formas e as opiniões são distintas. Há, por certo, quem aponte, como Jorge Jesus, a globalização como explicação e, por isso, tudo bem, nenhum problema, é a coisa mais natural. Outros, mais cépticos, defendem, como os principais organismos já discutiram, a criação de um sistema que limite o número de estrangeiros por cada plantel – porque há jogadores nacionais com valor e porque a selecção sai sempre prejudicada. Esta é, porventura, a tese com mais força.

Na próxima edição do campeonato português, mais de metade dos jogadores inscritos são estrangeiros. Os sul-americanos dominam: Brasil, Argentina, Uruguai, por exemplo, têm uma larga percentagem de representantes em Portugal. Actualmente, é visível, até, uma mudança de política no Sporting, depois de anos a fio recorrendo a jogadores provenientes da formação do clube. Feirense, Vitória de Setúbal, Gil Vicente ou Rio Ave são os clubes que se distinguem pelo facto contrário e apostam em jogadores portugueses, sobretudo jovens, abrindo caminho à progressão das suas carreiras. E um dado curioso: os dezasseis treinadores são portugueses. Faz confusão?

Pedro Henriques: “Deve limitar-se este exagero”

Pedro Henriques, antigo jogador profissional e actual comentador, olha para esta realidade com tristeza. A razão de ser, no seu entendimento, é simples: “Os clubes optam por jogadores estrangeiros porque é necessário comprar, já que a chamada “máquina” precisa de dinheiro para funcionar e é nas transferências que o dinheiro é movimentado.  Daí a especial apetência para a América do Sul, onde os valores de transferência são sempre fáceis de trabalhar“. Mas a selecção, refere, fica prejudicada, “devido à escassez de seleccionáveis”.

Na opinião de Pedro Henriques, não raras vezes, chegam a Portugal jogadores de qualidade duvidosa: “Claro que alguns valem a pena, mas existem jogadores portugueses que, se lhes fossem dadas as mesmas oportunidades, também seriam casos sérios no nosso futebol”, diz. Só que o negócio ganha destaque, ultrapassa a vertente desportiva e é prioridade. De acordo com Pedro Henriques, “um jogador português, normalmente da formação, não movimenta verbas aliciantes aos vários intervenientes nessas operações” e isso justifica a aposta noutros mercados. “É uma galinha dos ovos de ouro”, atira.

Importa, por isso, pensar em novas estratégias, em novas formas de actuar e de não possuir um completo sistema de porta aberta  que torne os campeonatos, como o português, o inglês ou o cipriota, marcados por múltiplas nacionalidades. Para Pedro Henriques, “os sindicatos de jogadores e treinadores, a Federação Portuguesa de Futebol, a Liga e antigos jogadores com ligação aos seus clubes deveriam juntar-se para debater ideias e regras que, de certa forma, limitassem este exagero, tentando criar um número mínimo de jogadores portugueses”. É uma ideia. Possível ou utópica?